A história de Sara Wagner York é uma narrativa de resistência e transformação. Quando jovem, Sara (que ainda brincava com outros nomes, hoje sabidos, nomes sociais) foi expulsa de casa, aos 12 anos, e ao retornar foi inserida em uma igreja neopentecostal enquanto travesti e “bicha”. Então, na igreja dois membros isolados e sozinhos, mas com histórias semelhantes se aproximam e Sara tem uma relação sexual com sua “namorada” aos 15 anos. A “namorada em questão era uma mulher de 24 anos que engravidaria naquela noite. Naquela época, a prática comum era casar os pais da criança o mais rápido possível, mas com Sara, a situação foi diferente. Ela já se identificava como trans, já era Sara, e isso fez com que o pastor a expulsasse da igreja, produzindo a ruptura daquela família. Mesmo após ter aquela relação sexual, praticamente forçada com uma mulher, ela continuava sendo Sara.
Quando o bebê nasceu, Sara foi a primeira pessoa a vê-lo. No entanto, na maternidade, ela enfrentou preconceitos. Enquanto os homens eram recebidos como “pais”, Sara era frequentemente impedida de entrar. Assim como na igreja, que promoveu a sua separação com aquela mãe e seu filho.
Sara se apresenta como travesti, uma identidade política no Brasil. Seu RG ainda registra seu gênero como masculino, uma decisão do juiz, em 2017, que ela optou por não alterar como forma de protesto. Hoje, ela se identifica como travesti, pai e avó. Quando teve seu filho, ela se compreendeu como pai, mas hoje, ela se compreende como mulher, como avó.
A história de Sara é um testemunho poderoso de autenticidade e resistência, uma história que desafia as normas de gênero e celebra a diversidade humana. Ela é um exemplo inspirador para todos nós, e sua história merece ser contada e compartilhada, pois após ser impedida de estar com seu (meu) filho, a vida se tornou insuportável.
As violências foram tantas e tão recorrentes que terminei quase morta após um coma desencadeado por uma overdose. Entretanto, após me tornar pessoa em situação de rua, a única possibilidade era tentar criar outra história.
E foi ao criar uma outra história e tomar decisões diferentes, que mudei a vida a ponto de morar em Londres por anos e literalmente me tornar outra pessoa.
Quando eu, Sara, retornei de Londres para o Rio de Janeiro, em 2012, já era conhecida no mundo da moda e da beleza. No entanto, meu coração ansiava por algo mais profundo – o reencontro com meu filho, que não via há 15 anos.
Minha vida, até aquele ponto, tinha sido uma montanha-russa de altos e baixos. Eu havia vivido nas ruas, experimentado a glória do palco ao ganhar o Festival Nacional de Teatro com a peça “Meu Guri”, e enfrentado a humilhação de ser presa por usar o banheiro feminino. A peça “Meu Guri” tem uma história interessante, pois a letra da música retrata a dura realidade das crianças e adolescentes de comunidades cariocas que acabam se envolvendo com o crime, principalmente, o tráfico de drogas. Ela é baseada na música de mesmo nome, escrita e composta por Chico Buarque. Lançada em 1981, a música “Meu Guri” é uma das composições mais emblemáticas de Chico Buarque. A música também aborda o impacto dessa escolha na vida de seus familiares, especialmente, suas mães. A peça “Meu Guri”, assim como a música, explorava esses temas nas adaptações de Carlos Moreira, trazendo à tona questões sociais e políticas do Brasil através de uma narrativa emocionante e impactante.
O reencontro com meu filho no aeroporto foi um momento de pura emoção. Mas um comentário maldoso de dois homens que passavam por nós acendeu uma chama dentro de mim. Eles disseram: “– Olha o que os viados estão fazendo no mundo!”. Aquelas palavras, ditas com desprezo, me fizeram perceber que eu tinha uma nova missão.
Decidi usar minha voz e minha plataforma para lutar pelos direitos trans. Tornei-me professora e comecei a usar minha experiência e conhecimento para educar e inspirar os outros. Foi uma jornada desafiadora, mas cada obstáculo apenas fortaleceu minha determinação.
Em 2020, alcancei um marco histórico: tornei-me a primeira travesti a ancorar no jornalismo brasileiro através da mídia TV Brasil 247. Esse feito não apenas quebrou barreiras, mas também abriu portas para outros na comunidade trans.
Hoje, sou uma professora com um percurso internacional, reconhecida por minha luta pelos direitos trans.
Minha história é uma inspiração para todos nós, um lembrete de que, não importa as adversidades, podemos superar e transformar nossas vidas. Não sou apenas uma sobrevivente, sou uma guerreira e minha história continua a inspirar muitos ao redor do mundo. A verdadeira vitória foi me tornar professora e mudar vidas através da educação.
“A verdadeira vitória não está em ser reconhecida, mas em fazer a diferença. Em cada vida que toquei como professora, encontrei minha verdadeira missão. Eu sou Sara Wagner York e esta é a minha história.” – Sara Wagner York
Autobiografia: Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Junior é pai, avó, pesquisadora e professora, a travesti da/na Educação.