Sebastião Coelho de Menezes, um homem que reconheceu o valor de uma religião milenar: as religiões de matrizes africanas

Autoria

Mulher negra, sorri, veste uma blusa vermelha, usa um colar colorido em tons de rosa e um óculos vermelho. Cabelos pretos, preto e com tranças. Ao fundo uma espécie de prateleira com lanternas coloridas penduradas.
Elaine Ferreira

Na fase final da minha pesquisa de Doutorado realizado no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, esbarrei com o nome do Deputado estadual da Guanabara Sebastião Coelho de Menezes integrante do Movimento Democrático Brasileiro partido do regime militar. Nascido em 08 de maio de 1932 em Coruripe estado de Alagoas, Sebastião ficou conhecido como um carioca de coração, pois ainda criança veio morar no Rio de Janeiro com seus pais. E nesta cidade, se formou médico construiu a sua vida política envolvendo-se com a cultura do lugar.  

Com objetivo de acompanhar ainda que breve suas ações como um político, identifiquei que num determinado momento de sua trajetória ele reconheceu o valor das religiões de matrizes africanas e assumiu isso.

Nos anos do regime militar foi consolidada uma política de salvaguarda dos bens culturais de valor imaterial que naquela época eram chamados de folclore. E tal fato, levou a inclusão da cultura negra e das religiões de matrizes africanas em particular a um projeto de brasilidade. Foi neste contexto que percebi como Menezes agiu em reconhecimento das religiões de matrizes africanas.

Assim, ao observar a postura do parlamentar com relação ao tema, por meio de notícias em jornais não tive dúvidas da importância de seu ato. E isso, me permitiu costurar parte de uma história sobre a inclusão das religiões de matrizes africanas num projeto de uma identidade nacional que se materializava no Museu de Folclore do Rio de Janeiro.

Sebastião Coelho de Menezes em discurso pronunciado na Assembleia Legislativa em 26 de novembro de 1971 reconheceu o valor milenar das religiões de matrizes africanas usando como exemplo as festas de Oxum que aconteceram na Bahia, dizendo: “mas uma vez as tradições do culto africano, se encontram interligadas à formação do povo brasileiro”. Para Menezes, as religiões de matrizes africanas estavam integradas a história da população brasileira.

Essa sua postura me levou a pensar nas categorias texto e contexto abrindo uma janela para que eu pudesse entender o que acontecia com aquelas religiões naqueles anos de 1970. Era através do Museu de Folclore carioca que os cultos afro-brasileiros foram integrados a nacionalidade, contudo eram tratados como exóticos.

Ao que tudo indica, Menezes participou de um cenário que não se sabia ao certo como as religiões de matrizes africanas seriam integradas à brasilidade: como folclore ou como uma religião propriamente dita. Foi então que entendi que havia uma disputa por memórias, pois em minhas investigações deparei-me com a publicação que o jornal A Tarde fez sobre a postura daquele parlamentar:

Um discurso pronunciado na Assembleia Legislativa da Guanabara, pelo Sebastião Menezes (1º Secretário da Câmara), ressaltando a importância de uma religião tão milenar, que, no entanto, vem sendo relegada a um plano inferior, em consequência das constantes mistificações apresentadas de forma grotesca por nossos órgãos de comunicação, principalmente, pelas televisões. 

Sebastião fez uma crítica ao imaginário pejorativo que se construía sobre as religiões de matrizes africanas dizendo, inclusive, que elas eram relegadas a um plano inferior. Ele responsabilizou os meios de comunicação por tais ações de diminuições. O candomblé era uma religião vinculada à história da diáspora africana e Sebastião sabia disso: 

Senhores o candomblé, essência do culto sagrado africano, não poderia jamais permanecer alheio aos naturais progressos e evoluções que se processam em todos os campos das atividades humanas, por isso foi criada a União Brasileira de Estudos e Preservação dos Cultos Africanos que tem como presidente de Honra a famosa Menininha do Gantois. Essa postura de Menezes deixa claro que havia uma disputa por memórias envolvendo as religiões de matrizes africanas. 

Foi fazendo um cruzamento de fontes da mesma época que identifiquei essas tensões, pois esbarrei com as ações de outro personagem; o jornalista baiano Jehová de Carvalho que no Diário de Pernambuco de 1971 disse o seguinte: “Candomblé não é show de folclore”. Ao ouvir essas vozes das “ruas” entendi o que ocorria fora do Museu de Folclore. Essas falas não aceitavam associar as religiões de matrizes africanas ao folclore: “e hoje focalizamos uma mistificação absurda inventam shows folclóricos como se fosse candomblé” 

Tanto Sebastião de Menezes quanto Jehová de Carvalho estavam num mesmo contexto agindo ao seu modo pelo reconhecimento das religiões de matrizes africanas como elas deveriam ser: uma prática ritual dotada de uma história própria e subjetividades. Foi neste cenário social que Menezes concedeu o título de cidadã do estado da Guanabara a Senhora Maria Escolástica da Conceição Nazareth – a Menininha do Gantois que segundo ele, tanta importância teve para a história dos candomblés cariocas:

Os parlamentares Sebastião Coelho de Menezes, José Maria Duarte, José Pinto, Nestor Nascimento, Levy Neves, Edson Kahir, Sérgio Maranhão, Ítalo Bruno, Alfonso Nunes, Nadyr de Oliveira, Jair Costa e Darcy Rangel instituíram o projeto de lei número 330 de 1972, que dizia. Requeiro à mesa diretora, ouvido o plenário, na forma do artigo 177 parágrafo 2º da resolução número 402-68 e modificações da resolução nº 431 de 1970, a concessão do título de cidadã do Estado da Guanabara, a Senhora Maria Escolástica da Conceição Nazareth, Iyalorixá da Assembleia Nassô do Gantois, universamente cognominada “Menininha do Gantois”. O culto nagô através da orientação da Iyalorixá da Assembleia Nassô do Gantois teve grande expansão no Brasil e em vários estados do Brasil, principalmente, na Guanabara, onde funcionam inúmeros terreiros dos filhos de santo daquela importante raça, desenvolvendo o mesmo ritualismo em favor dos orixás a exemplo dos praticados pelos humildes escravos.

Sebastião de Menezes reconheceu o valor ancestral dessas religiões que foram pensadas por ele como parte constitutiva da cultura nacional. Considero o valor histórico desse Requerimento, pois representa o reconhecimento das religiões de matrizes africanas num projeto mais amplo a identidade nacional. 

Embora Sebastião Coelho de Menezes tenha sido uma figura pública não encontrei nos arquivos pesquisados uma fotografia sua. Acredito que o meu encontro com os personagens citados ainda não foi concluído, pois muitas são as perguntas a se fazer sobre suas trajetórias. Sigo pensando que a luta deles é atual, pois ainda vivemos numa época de fortes lutas pelo reconhecimento da importância histórica e identitária das religiões de matrizes africanas na cultura brasileira. 

Autobiografia: Elaine Ventura nascida em 16 de abril no estado do Rio de Janeiro na Cidade de São Gonçalo. Sou pesquisadora historiadora e professora da rede pública de ensino apaixonada por museus e pelas artes. 

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