O Brasil acordava em 01 de abri de 1964 sob um golpe civil-militar que duraria 21 anos. Poderia ter sido apenas umas daquelas piadas que se faz no dia dos tolos ou dia da mentira. Mas, era uma dura realidade que se dava com o apoio fundamental dos EUA e o medo paranóico de uma possível instalação do comunismo em terras brasileiras.
Ontem tive a oportunidade de assistir ao documentário “O Dia que Durou 21 Anos”realizado pelo diretor Camilo Tavares, lançado em 29 de março de 2013 e que continua absolutamente atual e importante de ser assistido.
O filme narra o decisivo apoio dos Estados Unidos ao Golpe de 1964, levado a cabo pelas Forças Armadas brasileiras. Mas, com o apoio de parte considerável da sociedade brasileira que havia passado nos anos anteriores por um processo de desinformação e notícias falsas, massificado pelo IPES ( Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), um instituto de faixada com o único intuito de desacreditar o governo em um esquema midiático.
Se a propaganda é a alma do negócio, ela sempre foi usada como forma de induzir as massas a acreditar em inverdades que demonizam determinados sujeitos, enquanto apontam na direção de uma suposta solução. O Nazismo soube muito bem usar esse artifício que era, segundo o historiador Peter Kornbluh do Nacional Security Archives – USA, “o arroz com feijão da CIA” para desestabilizar democracias Latino-americanas.
O “ovo da serpente”, como define a jornalista e escritora Denise Assis “estava montado” e, diariamente, em sessões de cinema, em exibições dentro de fabricas para os trabalhadores na hora do almoço, em praças públicas no interior do país, eram exibidos filmes que perguntavam: “Aonde nos levarão as crises, o descalabro administrativo, a desordem?” Um ataque aberto contra o governo de Goulart.
A propaganda política em forma de notícia preparava a população para o golpe vindouro. A população, desta forma, induzida, deveria aceitar o Golpe como uma medida necessária diante do caos, supostamente, produzido pelo governo federal.Não é atoa que a Mídia ainda hoje é considerada como o “quarto poder”.
O ar risonho, sínico, quase debochado de Robert Bentley, assistente do embaixador Lincoln Gordon chama a atenção, em uma postura indiferente à dor e todo o sofrimento causado pela ditadura de 64 no Brasil. Até quando diz lamente, Bentley sorri como se achasse engraçado tudo que aconteceu.
Lincoln Gordon, o embaixador dos EUA no Brasil, é representado no documentário como o principal responsável por reportar para a Casa Branca a fantasiosa presença comunista no governo de Goulart. Visão questionada até mesmo dentro da Embaixada do Estados Unidos no Rio de Janeiro.
Os EUA enviaram para o Brasil uma esquadra militar que ficou na costa brasileira com porta aviões e muita artilharia que deveria entrar em ação caso o governo brasileiro resistisse ao golpe em 31 de março de 1964.
Por uma processo imaginativo vamos supor que o Brasil mandasse uma esquadra para a costa dos EUA em apoio a um golpe militar naquele país. Seria algo inimaginável, inaceitável e condenável. Mas, exatamente o que o Tio Sam ou Brother Sam, nome dessa operação, fez.
Depois do Golpe vieram os vários AIs (Atos Institucionais) que deixavam a ditadura ainda mais violenta com torturas e perda de todos os direito civis que normalmente estão presentes em um pais democrático.
O Golpe de 1964 chega ao poder falando em democracia, mas é exatamente a democracia que a ditadura destrói. O fantasma delirante de um comunismo bicho-papão fica apenas como desculpa para a perpetuação de 21 anos de sucessivos presidentes militares. O poder é sempre muito desejado e deslumbrante, ainda mais quando é conquistado e usado de forma cruel e vaidosa.
A historiadora argentina Marina Franco, professora na Universidade Nacional de San Martín (UNSAM), afirma, através de suas pesquisa sobre as ditaduras que assolaram a América Latina na década de 1970, que o Brasil foi o país que menos julgou e puniu crimes da ditadura na Região.
Em matéria do dia 24 de abril de 2022 na BBC ela argumenta que “O Brasil é um exemplo do lado oposto (se referindo a Argentina que revogou a lei de anistia). A Lei de anistia sancionada em 1979 pelo regime militar segue em vigor e foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010. O que significa que a grande maioria dos civis e militares envolvidos nos crimes durante o período não pode ser julgada (BBC News Brasil em São Paulo, 24 de abril de 2022).
Assista abaixo a ótima entrevista concedida por Camilo Tavares, diretor do documentário, ao Jornal Futura, publicada em 12/04/2013, em razão do lançamento do filme.
Assistam o documentário O Dia que Durou 21 Anos! É um daqueles filmes que todos precisam assistir e está disponível gratuitamente no YouTube em diversos canais. O documentário ajuda não apenas a compreender uma página importante da história brasileira. Mas, nos faz refletir sobre o Brasil de hoje e o que queremos para o futuro.
E, definitivamente, ditadura nunca mais!
SOBRE O AUTOR:
Max Oliveira é professor, ator, produtor, doutor em história pela UFRRJ, com doutorado sanduíche pela Universidade de Chicago, membro do OBCAR (Observatório do Carnaval da UFRJ/Museu Nacional) e pesquisa temas como: desinformação, fake news, discurso de ódio, racismo algorítmico, precarização do trabalho, Escolas de Samba, história pública, história digital e tudo mais que lhe der na telha! Fundador do Poeira da História.